fonte: Folha de SP

por Cláudia Collucci, repórter de saúde da Folha de SP

Os indicadores negativos de saúde no Brasil vão se somando. É o aumento nas taxas de mortalidade infantil, de desnutrição crônica e demortes maternas, é a queda histórica na cobertura vacinal de crianças e a volta de doenças já controladas, como o sarampo, e por aí vai.

Do ponto de vista científico, também se avolumam artigos sobre o impacto na saúde da crise econômica e das medidas de austeridade.

Na edição de julho da revista BMJ Saúde Global há uma análise que alerta para o risco de reversão das conquistas obtidas pelo SUS e a ampliação das desigualdades de saúde no Brasil, prejudicando a cobertura universal em saúde e agravando a pobreza.

O cenário, segundo os pesquisadores, foi agravado pela Emenda Constitucional n. 95, que congela os investimentos em saúde e educação por 20 anos, a partir de 2018.

Para eles, é improvável que os progressos alcançados na saúde nas últimas duas décadas sejam sustentados devido ao subfinanciamento, às medidas de austeridade e à alocação ineficiente de recursos.

A análise considera o contexto que possibilitou a expansão do SUS a partir de 2000, as crises econômicas e políticas que se iniciaram em 2014, as políticas de austeridade fiscal e o impacto de choques externos e internos no SUS, como aumento da pobreza, desemprego e redução de medidas de proteção social.

Além da revisão de literatura, os pesquisadores analisaram políticas e dados secundários de fontes do governo do Brasil para examinar mudanças no financiamento da saúde, cobertura de serviços de saúde e recursos para a saúde, além do efeito das crises econômicas e políticas sobre o SUS e a saúde da população no Brasil.

Os estudiosos se apoiam em evidências internacionais de que cortar investimentos em saúde pública não é sábio nem necessário e chamam atenção para o surgimento de um sistema tripartite no Brasil: um SUS financeiramente esgotado atendendo aos pobres, planos privados de “cobertura limitada” para a classe média e, para os ricos, planos de saúde de alta qualidade e alto custo.

Segundo eles, essa é uma ótima receita para uma maior segregação que servirá apenas para ampliar as desigualdades de saúde já consideráveis, prejudicar a cobertura universal de saúde e piorar a pobreza.

Estudo anterior que envolveu pesquisadores brasileiros e ingleses também projetou cenário desalentador caso persistam as medidas de austeridade: 20 mil mortes a mais de crianças até 2030.

O aumento estaria associado ao corte de verbas em programas sociais, como o Bolsa Família, que transfere renda diretamente às famílias de pobreza extrema, e o ESF (Estratégia de Saúde da Família). O primeiro beneficia 21% da população brasileira, e o segundo, 65%.

Outra ótima referência é o livro “A economia desumana: por que mata a austeridade”, originalmente publicado em 2013 por David Stuckler (Universidade de Oxford) e Sanjay Basu (London School), que trata dos impactos das políticas de austeridade nas condições de saúde dos países que enfrentaram algum tipo de crise.

Stuckler e Basu argumentam que há alguns princípios que devem ser considerados nas decisões a respeito da austeridade. Primeiramente, é importante que a diretriz econômica que venha a ser adotada não seja nociva à população. Segundo, de alguma forma as ações elaboradas devem ajudar a recuperar, a médio e longo prazo, o acesso a emprego e renda.

Os autores ponderam que é preciso haver investimentos em saúde pública, em especial nas ações de prevenção de agravos. E descrevem exemplos ocorridos nos últimos 40 anos, como a dificuldade mais recente da Grécia em conter epidemias e tratar doentes, quando um investimento em ações preventivas poderia ter minimizado esses efeitos prolongados.

Exceto entre os estudiosos e os profissionais da saúde, o efeito desses alertas parece ter sido nulo no Planalto. Tanto que em maio último foram anunciados novos cortes em recursos do SUS e de outros setores como forma de compensar o subsídio ao diesel. Ao todo, foram cortados R$ 179 milhões em recursos do orçamento de saúde.

O tema também foi praticamente ignorado no primeiro debate entre os candidatos à Presidência da República nas eleições de 2018, ocorrido na última quinta (9). A pergunta é: o que mais precisa piorar  para que o país busque formas de estancar essa hemorragia a que estamos assistindo na saúde pública?